domingo, 10 de agosto de 2014

O que é ser Criativo?

"Uma pessoa criativa é a que consegue processar de novas maneiras a informação disponível - a informação sensorial corriqueira a que todos temos acesso. Um escritor precisa de palavras, um músico precisa de notas musicais, um artista precisa de percepções visuais, e todos precisam de algum conhecimento técnico dentro de sua área de criação. Mas um indivíduo criativo enxerga intuitivamente possibilidades de transformar informações banais em uma nova criação, que transcende além do mero material cru."

O parágrafo acima abre o terceiro capítulo do livro Drawing on the Right Side of the Brain - "Desenhendo com o Lado Direito do Cérebro" - de Betty Edwards. Por "informação sensorial" podemos entender tudo aquilo que nossos sentidos absorvem. Em nosso caso, como artesãos, o quanto absorvemos? De onde vem o material que nossos sentidos absorvem? E o quanto estamos dispostos a correr o risco de não usar as informações do jeitinho que recebemos, e sim processá-las e criar algo inteiramente novo?

Esses dias uma aluna minha estava aborrecida - e com razão: encontrou no facebook de uma pessoa estranha a foto de um trabalho seu. Uma peça exclusiva, idealizada por ela, e confeccionada aqui no ateliê entre boas risadas e muita criatividade que envolveu técnicas diversas como a feltragem com lã de ovelha, fuxicos, apliques de crochê, trabalho com contas e pedaços de uma antiga camisola de rendinhas!


Este trabalho foi planejado e confeccionado pela Consuelo Gonçalves para a 4ª Mostra de Patchwork de Pouso Alegre, cujo tema foi a música brasileira, e é uma homenagem à canção "Esperando na Janela", sucesso na voz de Gilberto Gil. A idéia de usar como modelo as tradicionais bonecas namoradeiras de Minas Gerais é original - não copiamos de lugar algum. O projeto não tem receita: fomos inventando à medida que o trabalho ganhava vida. 

Depois que a peça foi apresentada, outras alunas quiseram fazer igual, mas eu as desencorajei: o bacana é se inspirar na idéia boa de alguém - nunca copiar. Mas, nesse mundão que é a internet, a foto da peça acabou na página de uma artesã desconhecida, sem o crédito, e aceitando encomendas! Como a pessoa vai conseguir imitar esta peça tão única eu ignoro. 

Respondendo às questões que fiz acima: 

1) O quanto absorvemos vai depender de nossa observação. Uma das lições que a autora ensina no livro que citei é enxergar.Ver com olhos diferentes. Treinar os olhos para ver além do corriqueiro. Para reparar em detalhes.

2) O material que nossos sentidos absorvem está em toda parte: na internet, em livros e revistas, no facebook alheio rsrsrs... e na vida a nossa volta. Uma pessoa criativa consegue juntar uma idéia que viu ali, com outra que tirou daqui, mais uma cena que viu no parquinho esta manhã... e criar algo totalmente original. 

3) É claro, copiar o que alguém já fez antes é bem mais seguro, pois você já conhece o resultado. Mas não tem graça nenhuma. Precisamos correr o risco de criar realmente.

Infelizmente, esse raciocínio não é muito seguido nos dias de hoje - em que tanta gente faz artesanato. Não creio que a pessoa que postou a foto do trabalho acima e aceitou encomendas esteja agindo por má fé: apesar de errado, isso é natural - e até cultural: trabalhos originais nem sempre têm o respeito merecido; não se pára para pensar e diferenciar um trabalho banal e repetitivo daquele que é exclusivo. Acredito que a maioria das artesãs olhe para uma peça e diga: "Posso ganhar dinheiro se fizer peças iguais a essa", quando na verdade deveria pensar: "Vou pesquisar mais possibilidades e aprender novas técnicas para que eu também possa criar peças assim". Eu acrescentaria que toda artesã deve também se conhecer, e conhecer o mundo a sua volta, de modo que possa sempre buscar temas novos dentro de si e ao seu redor.

Vamos, então, refletir e mudar essa cultura de apenas copiar, e nunca criar? Não dói nada, eu garanto!

Até a próxima!